terça-feira, 15 de novembro de 2016

Desenvolvimento curricular 

As primeiras definições de currículo, conforme Pacheco, J. (2001:16) apontam para um conceito que corresponde “a um plano de estudos, ou a um programa, muito estruturado e organizado na base de objetivos, conteúdos e actividades e de acordo com a natureza das disciplinas”, o que demonstra uma noção restrita de currículo, mas ainda recorrente nas conceções de muitos professores. Outras definições foram propostas, deixando-nos perceber que o campo curricular é um espaço abrangente, não podendo o conceito de currículo limitar-se a ser idealizado, apenas, como um mero plano de estudos ou programa predefinidos, que os professores devem implementar no interior da sala de aulas. Pacheco, J. (2001) defende que o currículo se deve abordar, pelo menos, em redor de duas perspetivas principais: uma primeira, num plano mais formal, em que se entende currículo como conjunto de conteúdos a ensinar e, ainda, como plano de acção pedagógico, estruturado num sistema tecnológico; uma segunda, onde se inserem as definições que concebem o currículo como um conjunto de experiências educativas e como um sistema dinâmico, probabilístico e complexo, sem uma estrutura predeterminada. 11 Numa perspectiva de análise semelhante, Ribeiro, A. (1990) por um lado, considera o currículo como sendo um conjunto estruturado de matérias e de programas de ensino num determinado nível de escolaridade, ciclo ou domínio de estudos; por outro, idealiza-o como “uma listagem, esquema ou sumários de temas ou tópicos”, que cada professor deve desenvolver de acordo com o contexto específico de cada situação educativa, tendo, neste caso, um carácter menos rígido Perez, M., & López, E. (1999) consideram que a definição de currículo deve processarse numa dupla dimensão. Uma primeira, referente ao contexto, que consideram o currículo como cultura social convertida em cultura escolar por intermédio dos professores e das instituições escolares”; a segunda, no domínio do campo cognitivo, onde o currículo é visto como “o modelo de ensino-aprendizagem no qual emanam os programas escolares. Também Formosinho, J. (1991) atribui ao conceito de currículo dois sentidos, reiterando que as definições tradicionais (estritas) de currículo centram-se à roda do processo de ensino e das actividades educativas expressamente planeadas para transmitir conhecimentos, valores ou atitudes, perspetiva esta da qual podem emergir duas possíveis definições: a) Currículo como elenco das disciplinas a lecionar – o que pode incluir apenas o nome da disciplina, mas também pode abranger o programa e os métodos a utilizar. b) Currículo como conjunto das atividades educativas programadas pela escola, ocorram elas na sala de aulas ou fora delas – incluindo assim as conferências, atividades teatrais e as desportivas, viagens de estudo, atividades de grupos criados pela escola, o jornal escolar, etc.” . No entanto, o autor alerta que o currículo é tudo o que é aprendido na escola pelos alunos, seja ou não objeto de transmissão deliberada. Uma definição que corporiza o que vários autores Jackson, P. (1998); Santomé, J. (1995); Zabalza, M.A. (2001) identificam como currículo oculto ou currículo escondido. Sendo considerado por Formosinho, (1991) que não é objeto de ensino formal na escola, mas é aprendido através do contexto, do contacto com vários tipos de pessoas ou é mesmo objecto do ensino informal dos colegas. Para Rasco, F. (1994), o termo currículo pode ser usado em dois sentidos. O primeiro sentido atribui ao conceito de currículo um significado prescritivo, ou seja, aquilo que deve ser levado a cabo pelas escolas, o plano ou a planificação, pela qual se organizam os processos de ensino-aprendizagem. O segundo sentido encara o currículo como um fenômeno digno de ser estudado, já que depende das condições da sua aplicação e estas são específicas de cada contexto. O currículo não pode entender-se como algo predeterminado, isto é, como um “produto” a ser disponibilizado segundo regras e normas específicas. Uma vez que se trata de um processo que resulta das múltiplas relações que se estabelecem entre diferentes atores, em contextos diversos, é um processo complexo, não sendo por isso possível predeterminá-lo à partida. Daí a importância que o conceito de currículo como projeto tem vindo a assumir nos tempos mais recentes. É neste sentido que Pacheco, J. (2001) afirma que o currículo afigura-se como um projeto, cujo processo de construção e desenvolvimento é interativo, que implica unidade, continuidade e interdependência entre o que se decide ao nível do plano normativo, ou oficial, e ao nível do plano real, ou do processo de ensino-aprendizagem. Mais ainda, o currículo é uma prática pedagógica que resulta na interação e confluência de várias estruturas (políticas, administrativas, económicas, culturais, sociais, escolares...) na base das quais existem interesses concretos e responsabilidades compartilhadas”. As diferentes definições de currículo podem, ainda, analisar-se à luz de diferentes paradigmas educacionais, onde, segundo Gomes, A. (2004), a concepção do currículo assume diferentes contornos. Num paradigma racional-tecnológico, o currículo é um processo técnico concretizado para obter resultados previamente definidos, exigindo-se uma definição muito concreta do produto e das ações necessárias para o conseguir; sendo assim, o essencial são os objetivos. Segundo o paradigma interpretativo simbólico ou prático, o currículo é concebido como uma práxis apoiada na reflexão, dando grande relevo aos valores; centra-se nos processos; sendo um propósito flexível e aberto, o currículo é considerado como uma hipótese a investigar e a confirmar ou infirmar. No âmbito do paradigma sociocrítico, o currículo oficial é visto como um instrumento para a reprodução das relações de poder e de desigualdade social; assim se compreende que se apele aos actores educativos para desmontar os mecanismos do currículo oculto, uma tarefa necessária para poder encarar o currículo como um espaço dialéctico e um campo ideológico. Daí o considerar-se que o currículo tem como função principal a libertação e a emancipação. 13 O currículo como conceito aberto necessita de uma base comum de diálogo e discussão, a todos os que sobre ele se debruçam e que, necessariamente, evidenciam um conjunto de relações que se estabelecem no seio do campo curricular – “do currículo com a sociedade e seus valores inerentes e ainda com as conceções de homem, mundo e informação” Pacheco, J. (2001:18) - e que ajudam a compreender a complexidade que o carecteriza. Em relação ao conceito do currículo, pode-se dizer que “o currículo é sempre uma solução, ainda que provisória e discutível no seu valor e nas suas formas de expressão, para um determinado problema educativo”. Morgado, J. (2000:32). No contexto educativo português também se verificaram grandes mudanças, sobretudo nas últimas três décadas, em particular no que ao percurso do currículo diz respeito. De acordo com Leite, C. (2003), a orientação curricular, em vésperas de Abril de 1974, assentava num paradigma tradicional de racionalismo acadêmico, onde a organização do currículo se centrava nas disciplinas, com uma orientação multidisciplinar. O papel da escola e dos professores era, fundamentalmente, transmitir saberes e preparar os alunos para a vida futura. Nos primeiros tempos após a revolução de 74, começa a emergir um paradigma pedagógico de índole humanista/social, que, a par de um paradigma técnico, permite o domínio da didáctica geral, baseada numa relação triangular entre objectivos, conteúdos e métodos. A organização do currículo, embora continuando centrada nas disciplinas, não foi impeditiva de que estimulasse um maior recurso a práticas de pluri e interdisciplinaridade. O papel do professor, mais do que transmitir, seria o de romper com a conceção de educação bancária que predominava na altura, sem deixar de contribuir para uma efetiva inserção dos alunos na sociedade. No período de normalização, que emerge nos anos 80, continua a imperar um paradigma técnico, com recurso a processos de planificação detalhados e estruturados em torno de objetivos específicos, enquanto que em termos de organização do currículo se estimula a dialética entre tradição e modernidade. Nesta perspetiva, o professor continua a assumir-se como um técnico, isto é, como um consumidor de currículo, recorrendo a procedimentos que favorecem a aprendizagem dos conteúdos dos programas escolares. Nos anos 90, assiste-se ao reconhecimento da inadequação de um currículo construído apenas em função de um aluno médio e à necessidade de definir um currículo nacional flexível, com possibilidade de territorialização local. A escola passa a ser vista como um local de tomadas de decisão, e não apenas de implementação de decisões externas, e o professor como um professor-investigador e/ou um professor reflexivo, isto é, como um “professor configurador do currículo”, de forma a contribuir para adaptar as prescrições nacionais às realidades locais. Contudo, em termos de decisões, nem sempre as pretensas mudanças de conceções paradigmáticas e de papéis do professor e da escola se verificaram ao nível das práticas. Aquilo que é prescrito no contexto político/administrativo, principalmente no que se refere ao pensamento e à acção do professor, muitas vezes não produz efeitos no contexto de realização. É por isso que Roldão, M. (1999a:21) considera que currículo é “aquilo que os professores fizerem dele” Para fazer face ao elevado número elevado de definições propostas e para melhor clarificar a noção de currículo, a mesma autora (Roldão, M. 1999a:43) define-o como sendo um “conjunto de aprendizagens consideradas necessárias num dado contexto e tempo e à organização e sequência adotadas para o concretizar ou desenvolver”. A expressão desenvolvimento curricular é “utilizada para expressar uma prática, dinâmica e complexa, que se processa em diversos momentos e em diferentes fases, de modo a formar um conjunto estruturado, integrando quatro componentes principais: justificação teórica, elaboração/planeamento, operacionalização e avaliação”. Pacheco, J. (2001:25). Ribeiro, A. (1990:6), e numa perspectiva mais abrangente, o desenvolvimento curricular é um processo contínuo que compreende diferentes fases, desde a justificação do currículo até à sua avaliação, passando necessariamente pela conceção – elaboração e de implementação. Por outro lado, e num ponto de vista mais restrito, o desenvolvimento curricular “identificar-se-ia apenas com a construção (isto é, desenvolvimento) do plano curricular, tendo presente o contexto e justificação que o suportam, bem como as condições da sua execução” para se seguir “a fase da implementação dos planos e programas na situação concreta de ensino e, concomitantemente, o processo de avaliação da respetiva execução”. Mais recentemente, a noção que tem vindo a prevalecer corresponde à perspetiva mais abrangente, em que o desenvolvimento curricular é visto como um processo “complexo e dinâmico que equivale a uma (re)construção de tomada de decisões de modo a 15 estabelecer-se, na base de princípios concretos, uma ponte entre a intenção e a realidade, ou melhor, entre o projeto sócio/educativo e o projeto didático. Pacheco, J. (2001). Neste sentido, o desenvolvimento curricular requer diferentes momentos de planeamento, realização e avaliação, que relacionados entre si constituem uma prática ativa e suscetível de ser considerada sob diferentes pontos de vista. Esta relação da intenção com a prática deve ser vista como base para a definição de currículo, sem prejuízo de ser questionada como os pontos de partida e de chegada do desenvolvimento curricular.

( Manuel Ferreira)


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