quarta-feira, 1 de junho de 2016

Como é que o cérebro lê as palavras?


Tendo em consideração que a maioria das definições sugerem que a dislexia presumivelmente se deve a alterações no sistema nervoso central, de seguida faremos uma breve abordagem ao que a literatura refere sobre os diferentes substratos neurológicos envolvidos na leitura, e suas funções nessa tarefa complexa.
Foi apoiando-se em trabalhos como o de Pierre Paul Broca e de Carl Wernicke que em 1979 Norman Geschwind apresentou um relato preciso do percurso através do córtex cerebral envolvido na leitura (Posner & Raichle, 2001). Assim, Geschwind sugere a existência de cinco áreas do córtex com funções diferentes na leitura, (Posner & Raichle, 2001).


A primeira é a área visual primária, local onde se realiza a percepção da imagem da palavra. Depois, na circunvolução angular ocorrem as fases iniciais da interpretação da palavra e o estímulo visual é convertido no seu significado linguístico. A terceira área é responsável pela compreensão do significado da palavra e é denominada por área de Wernicke. De seguida, a área de Broca recebe a informação sobre o que se vai dizer e planeia o tipo de movimentos técnicos necessários à produção da fala. Por último é do córtex motor que são enviados os comandos nervosos.

Usando técnicas sofisticadas para analisar o cérebro de crianças e adultos, mais recentemente os investigadores identificaram três regiões de fundamental importância, que o cérebro usa para analisar as palavras escritas, para reconhecer os seus sons constituintes e para automatizar o processo de leitura (Shaywitz, 2003).

Assim, Shaywitz (2003) diz-nos que para ler as pessoas usam três sistemas cerebrais, todos eles situados no hemisfério esquerdo do cérebro, aquele que é tradicionalmente associado à linguagem. A primeira área está na parte frontal do cérebro e é denominada de gírus frontal inferior ou área de Broca. As outras áreas situam-se na parte de trás do cérebro e são a região parieto-temporal e a região occipito-temporal, também denominada área de visão das formas das palavras.

De acordo com Shaywitz (2003), a área frontal inferior esquerda do cérebro (área de Broca), denominada pela autora de gerador de fonemas, é responsável pela articulação da linguagem falada, pois esta área do cérebro ajuda as pessoas a vocalizarem as palavras - em silêncio ou em voz alta. É uma área especialmente activa no cérebro dos leitores principiantes, pois também realiza a análise dos fonemas.

Por seu lado, a região parieto-temporal esquerda, denominada de analisador de palavras, está envolvida na análise e descodificação dos sons das partes das palavras, pois esta secção do cérebro realiza uma análise mais completa das palavras escritas. Na realidade, nesta área as palavras são divididas nas sílabas e fonemas ou as constituem, e as letras são associadas aos sons apropriados (Shaywitz, 2003).Por último, a região occipito-temporal ou detector automático é o local onde toda a informação relacionada com as palavras e os sons é combinada, para que o leitor reconheça e leia a palavra de um modo instantâneo, ou seja, a tarefa desta parte do cérebro é a de automatizar o processo de reconhecimento das palavras (Shaywitz, 2003).


Resta referir que apesar de estes processos serem divididos numa sequência de três etapas para facilitar o seu entendimento, na realidade estas áreas do cérebro actuam de modo simultâneo e concertado, tal como acontece com as secções de uma orquestra (Shaywitz, 2003).

Com uma abordagem diferente, um outro trabalho digno de relevo é o recentemente desenvolvido por Nicolson & Fawcett, que sugerem a existência de um défice no cerebelo como hipótese explicativa da dislexia (Nicolson & Fawcett, 2000, Beaton, 2002, Bishop, 2002).

De acordo com os autores referidos, o cerebelo é uma estrutura que contém cerca de 50% do total dos neurónios do cérebro, que se situa na parte de trás deste e que faz o interface entre o córtex cerebral e o sistema motor (Nicolson & Fawcett, 2000, Beaton, 2002, Bishop, 2002).

Se por um lado é sabido que o cerebelo está envolvido na aquisição e execução das habilidades motoras, e que geralmente é considerado como um elemento central na automatização das habilidades motoras, por outro lado, trabalhos recentes demonstraram que o cerebelo também está directamente envolvido nas habilidades cognitivas relacionadas com a linguagem (Nicolson & Fawcett, 2000, Beaton, 2002, Bishop, 2002).

Assim, de acordo com a hipótese do défice cerebeloso proposta por Nicolson & Fawcett, alterações na estrutura do cerebelo das pessoas com dislexia originam alguns problemas na automatização das habilidades relacionadas com a linguagem, que originam de um modo directo os padrões de dificuldades dos disléxicos (Nicolson & Fawcett, 2000, Beaton, 2002, Bishop, 2002). Em conclusão, pensamos que independentemente das origens da dislexia, o que é fundamental é pensarmos nas melhores maneiras de ajudarmos estas pessoas a lidarem com essa sua maneira particular de percepcionar e entender os símbolos gráficos.
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(*) Professor Auxiliar na Unidade Científico-Pedagógica de Educação Especial e Reabilitação da Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa.


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