Desenvolvimento curricular
As primeiras definições de currículo, conforme Pacheco, J. (2001:16) apontam para um
conceito que corresponde “a um plano de estudos, ou a um programa, muito
estruturado e organizado na base de objetivos, conteúdos e actividades e de acordo com
a natureza das disciplinas”, o que demonstra uma noção restrita de currículo, mas ainda
recorrente nas conceções de muitos professores.
Outras definições foram propostas, deixando-nos perceber que o campo curricular é um
espaço abrangente, não podendo o conceito de currículo limitar-se a ser idealizado,
apenas, como um mero plano de estudos ou programa predefinidos, que os professores
devem implementar no interior da sala de aulas.
Pacheco, J. (2001) defende que o currículo se deve abordar, pelo menos, em redor de
duas perspetivas principais: uma primeira, num plano mais formal, em que se entende
currículo como conjunto de conteúdos a ensinar e, ainda, como plano de acção
pedagógico, estruturado num sistema tecnológico; uma segunda, onde se inserem as
definições que concebem o currículo como um conjunto de experiências educativas e
como um sistema dinâmico, probabilístico e complexo, sem uma estrutura
predeterminada.
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Numa perspectiva de análise semelhante, Ribeiro, A. (1990) por um lado, considera o
currículo como sendo um conjunto estruturado de matérias e de programas de ensino
num determinado nível de escolaridade, ciclo ou domínio de estudos; por outro,
idealiza-o como “uma listagem, esquema ou sumários de temas ou tópicos”, que cada
professor deve desenvolver de acordo com o contexto específico de cada situação
educativa, tendo, neste caso, um carácter menos rígido
Perez, M., & López, E. (1999) consideram que a definição de currículo deve processarse
numa dupla dimensão. Uma primeira, referente ao contexto, que consideram o
currículo como cultura social convertida em cultura escolar por intermédio dos
professores e das instituições escolares”; a segunda, no domínio do campo cognitivo,
onde o currículo é visto como “o modelo de ensino-aprendizagem no qual emanam os
programas escolares.
Também Formosinho, J. (1991) atribui ao conceito de currículo dois sentidos,
reiterando que as definições tradicionais (estritas) de currículo centram-se à roda do
processo de ensino e das actividades educativas expressamente planeadas para
transmitir conhecimentos, valores ou atitudes, perspetiva esta da qual podem emergir
duas possíveis definições:
a) Currículo como elenco das disciplinas a lecionar – o que pode incluir apenas o nome
da disciplina, mas também pode abranger o programa e os métodos a utilizar.
b) Currículo como conjunto das atividades educativas programadas pela escola, ocorram
elas na sala de aulas ou fora delas – incluindo assim as conferências, atividades teatrais
e as desportivas, viagens de estudo, atividades de grupos criados pela escola, o
jornal escolar, etc.” .
No entanto, o autor alerta que o currículo é tudo o que é aprendido na escola pelos
alunos, seja ou não objeto de transmissão deliberada. Uma definição que corporiza o
que vários autores Jackson, P. (1998); Santomé, J. (1995); Zabalza, M.A. (2001)
identificam como currículo oculto ou currículo escondido. Sendo considerado por
Formosinho, (1991) que não é objeto de ensino formal na escola, mas é aprendido
através do contexto, do contacto com vários tipos de pessoas ou é mesmo objecto do
ensino informal dos colegas.
Para Rasco, F. (1994), o termo currículo pode ser usado em dois sentidos. O primeiro
sentido atribui ao conceito de currículo um significado prescritivo, ou seja, aquilo que
deve ser levado a cabo pelas escolas, o plano ou a planificação, pela qual se organizam os processos de ensino-aprendizagem. O segundo sentido encara o currículo como um
fenômeno digno de ser estudado, já que depende das condições da sua aplicação e estas
são específicas de cada contexto.
O currículo não pode entender-se como algo predeterminado, isto é, como um
“produto” a ser disponibilizado segundo regras e normas específicas. Uma vez que se
trata de um processo que resulta das múltiplas relações que se estabelecem entre
diferentes atores, em contextos diversos, é um processo complexo, não sendo por isso
possível predeterminá-lo à partida. Daí a importância que o conceito de currículo como
projeto tem vindo a assumir nos tempos mais recentes. É neste sentido que Pacheco, J.
(2001) afirma que o currículo afigura-se como um projeto, cujo processo de construção
e desenvolvimento é interativo, que implica unidade, continuidade e
interdependência entre o que se decide ao nível do plano normativo, ou oficial, e
ao nível do plano real, ou do processo de ensino-aprendizagem. Mais ainda, o currículo
é uma prática pedagógica que resulta na interação e confluência de várias estruturas
(políticas, administrativas, económicas, culturais, sociais, escolares...) na base das quais
existem interesses concretos e responsabilidades compartilhadas”.
As diferentes definições de currículo podem, ainda, analisar-se à luz de diferentes
paradigmas educacionais, onde, segundo Gomes, A. (2004), a concepção do currículo
assume diferentes contornos. Num paradigma racional-tecnológico, o currículo é um
processo técnico concretizado para obter resultados previamente definidos, exigindo-se
uma definição muito concreta do produto e das ações necessárias para o conseguir;
sendo assim, o essencial são os objetivos. Segundo o paradigma interpretativo simbólico
ou prático, o currículo é concebido como uma práxis apoiada na reflexão,
dando grande relevo aos valores; centra-se nos processos; sendo um propósito flexível e
aberto, o currículo é considerado como uma hipótese a investigar e a confirmar ou
infirmar.
No âmbito do paradigma sociocrítico, o currículo oficial é visto como um instrumento
para a reprodução das relações de poder e de desigualdade social; assim se compreende
que se apele aos actores educativos para desmontar os mecanismos do currículo oculto,
uma tarefa necessária para poder encarar o currículo como um espaço dialéctico e um
campo ideológico. Daí o considerar-se que o currículo tem como função principal a
libertação e a emancipação.
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O currículo como conceito aberto necessita de uma base comum de diálogo e
discussão, a todos os que sobre ele se debruçam e que, necessariamente, evidenciam um
conjunto de relações que se estabelecem no seio do campo curricular – “do currículo
com a sociedade e seus valores inerentes e ainda com as conceções de homem, mundo e
informação” Pacheco, J. (2001:18) - e que ajudam a compreender a complexidade que
o carecteriza.
Em relação ao conceito do currículo, pode-se dizer que “o currículo é sempre uma
solução, ainda que provisória e discutível no seu valor e nas suas formas de expressão,
para um determinado problema educativo”. Morgado, J. (2000:32).
No contexto educativo português também se verificaram grandes mudanças, sobretudo
nas últimas três décadas, em particular no que ao percurso do currículo diz respeito. De
acordo com Leite, C. (2003), a orientação curricular, em vésperas de Abril de 1974,
assentava num paradigma tradicional de racionalismo acadêmico, onde a
organização do currículo se centrava nas disciplinas, com uma orientação
multidisciplinar. O papel da escola e dos professores era, fundamentalmente, transmitir
saberes e preparar os alunos para a vida futura.
Nos primeiros tempos após a revolução de 74, começa a emergir um paradigma
pedagógico de índole humanista/social, que, a par de um paradigma técnico, permite o
domínio da didáctica geral, baseada numa relação triangular entre objectivos, conteúdos
e métodos. A organização do currículo, embora continuando centrada nas disciplinas,
não foi impeditiva de que estimulasse um maior recurso a práticas de pluri e
interdisciplinaridade. O papel do professor, mais do que transmitir, seria o de romper
com a conceção de educação bancária que predominava na altura, sem deixar de
contribuir para uma efetiva inserção dos alunos na sociedade.
No período de normalização, que emerge nos anos 80, continua a imperar um
paradigma técnico, com recurso a processos de planificação detalhados e estruturados
em torno de objetivos específicos, enquanto que em termos de organização do currículo
se estimula a dialética entre tradição e modernidade. Nesta perspetiva, o professor
continua a assumir-se como um técnico, isto é, como um consumidor de currículo,
recorrendo a procedimentos que favorecem a aprendizagem dos conteúdos dos
programas escolares.
Nos anos 90, assiste-se ao reconhecimento da inadequação de um currículo construído
apenas em função de um aluno médio e à necessidade de definir um currículo nacional flexível, com possibilidade de territorialização local. A escola passa a ser vista como um
local de tomadas de decisão, e não apenas de implementação de decisões externas, e o
professor como um professor-investigador e/ou um professor reflexivo, isto é, como um
“professor configurador do currículo”, de forma a contribuir para adaptar as prescrições
nacionais às realidades locais.
Contudo, em termos de decisões, nem sempre as pretensas mudanças de
conceções paradigmáticas e de papéis do professor e da escola se verificaram ao nível
das práticas. Aquilo que é prescrito no contexto político/administrativo, principalmente
no que se refere ao pensamento e à acção do professor, muitas vezes não produz efeitos
no contexto de realização. É por isso que Roldão, M. (1999a:21) considera que
currículo é “aquilo que os professores fizerem dele”
Para fazer face ao elevado número elevado de definições propostas e para melhor
clarificar a noção de currículo, a mesma autora (Roldão, M. 1999a:43) define-o como
sendo um “conjunto de aprendizagens consideradas necessárias num dado contexto e
tempo e à organização e sequência adotadas para o concretizar ou desenvolver”.
A expressão desenvolvimento curricular é “utilizada para expressar uma prática,
dinâmica e complexa, que se processa em diversos momentos e em diferentes fases, de
modo a formar um conjunto estruturado, integrando quatro componentes principais:
justificação teórica, elaboração/planeamento, operacionalização e avaliação”. Pacheco,
J. (2001:25).
Ribeiro, A. (1990:6), e numa perspectiva mais abrangente, o desenvolvimento
curricular é um processo contínuo que compreende diferentes fases, desde a justificação
do currículo até à sua avaliação, passando necessariamente pela conceção – elaboração
e de implementação. Por outro lado, e num ponto de vista mais restrito, o
desenvolvimento curricular “identificar-se-ia apenas com a construção (isto é,
desenvolvimento) do plano curricular, tendo presente o contexto e justificação que o
suportam, bem como as condições da sua execução” para se seguir “a fase da
implementação dos planos e programas na situação concreta de ensino e,
concomitantemente, o processo de avaliação da respetiva execução”.
Mais recentemente, a noção que tem vindo a prevalecer corresponde à perspetiva mais
abrangente, em que o desenvolvimento curricular é visto como um processo “complexo
e dinâmico que equivale a uma (re)construção de tomada de decisões de modo a
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estabelecer-se, na base de princípios concretos, uma ponte entre a intenção e a realidade,
ou melhor, entre o projeto sócio/educativo e o projeto didático. Pacheco, J. (2001).
Neste sentido, o desenvolvimento curricular requer diferentes momentos de
planeamento, realização e avaliação, que relacionados entre si constituem uma prática
ativa e suscetível de ser considerada sob diferentes pontos de vista. Esta relação da
intenção com a prática deve ser vista como base para a definição de currículo, sem
prejuízo de ser questionada como os pontos de partida e de chegada do desenvolvimento
curricular.
( Manuel Ferreira)
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