As necessidades educativas serão especiais?
A diversidade é, no ser humano, uma qualidade que lhe outorga uma condição especial. Não obstante, quando tal qualidade é considerada socialmente como uma desigualdade ou como uma categoria de valor, esta pode converter-se num elemento-chave para a segregação (Angelides, Stylianou, e Gibas, 2006). Neste contexto, a diversidade é o efeito de uma combinação de factores económicos, sociais, étnicos, religiosos, culturais, geográficos, que incidem directamente sobre as capacidades da pessoa.
Se centrarmos a nossa atenção no atendimento ao nível educativo, comprovaremos que a diferenciação que os alunos vão experimentando no sistema, através das diversas etapas, implica, no plano pedagógico, a articulação dos procedimentos mais eficazes de intervenção educativa, de acordo com essas circunstâncias, motivações, interesses... etc. A configuração que o anterior sistema educativo oferecia, não só introduzia mudanças de tipo estrutural, mas também modificações que se encaminhavam no sentido de conseguir uma melhoria substancial da qualidade da educação. Com esta mudança, fazia-se coincidir a idade de acesso ao mercado de trabalho com o fim da obrigatoriedade de permanência nos centros escolares.
Esta resposta à diversidade, a que fazemos referência, encontra-se na lei quando se alude ao conceito de adaptabilidade do currículo. Através de tal conceito, atende-se às características individuais do corpo discente mediante o uso de diferentes medidas: agrupamentos flexíveis para os alunos, estabelecimento de planos de trabalho autónomo, reforço educativo, Programas de Garantia Social, organização de sistemas de trabalho cooperativo, Programas de Diversificação Curricular... etc.
Com a lei LOGSE, em Espanha, introduz-se uma mudança na terminologia relativa à tradicional educação especial. A adopção do conceito de necessidade educativa especial expressa essa mudança de perspectiva, cujas consequências e envolvimentos foram muito importantes, tanto no terreno da teoria, como no da prática educativa. É um conceito que tem em consideração a mobilização dos recursos materiais e humanos de que os alunos precisam, deixando de se centrar naqueles que, tradicionalmente, eram objecto de uma educação especial (altamente diferenciada e especializada), ampliando-se, agora, a qualquer aluno que, num determinado momento, possa necessitar de qualquer tipo de apoio. Não podemos esquecer que a LOGSE teve pouco mais de uma década de vida para demonstrar os seus pontos fortes e debilidades. Se bem que nos anos 1990 falar de necessidades educativas especiais foi de todo necessário para sair da situação precária e desoladora em que se encontravam muitos alunos, não deixando de ser um remendo no sistema, e não uma panaceia. Tratava-se de um remendo porque legitimava a existência de categorias de especialidade dentro da escola e, em suma, dentro da sociedade: os alunos especiais.
No entanto, graças ao esforço desses professores e professoras que trabalharam por e para esses alunos nesse contexto educativo, e por respeito a seu labor profissional, hoje deveria ter maior sentido e significado a ideia de uma escola onde coexiste a diversidade que, essencialmente, era o que se pretendia. Aceitar este facto suporia para os professores/as e educadores de todos os níveis de ensino (Educação Infantil, Educação Primária, Educação Secundária... Universidade) voltar o seu olhar para outro ponto: não para os termos, mas para os conceitos; não para os produtos, mas para os processos.
Chegados a este ponto, consideramos que é necessário falar de uma excepção. O conceito de necessidades educativas especiais (extraído da LOGSE) tem para nós uma orientação errada, na medida em que o qualificativo especial faz uma legitimação, como no passado, da existência de uma situação atípica ou pouco frequente que, precisamente, é aquela que pretendemos normalizar. Há mais de cem anos que todos os alunos que não atingiam, numa determinada idade, um determinado nível de aprendizagem e que, ainda hoje, se supõe que o devam adquirir, eram classificados de acordo com uma escala de quociente intelectual, aplicando-lhes os termos de imbecil, cretino, subnormal, idiota... etc., todos eles descendentes da psicologia clínica. Depois de trinta anos de integração escolar, nós, que vivemos e desenvolvemos o conceito de heterogeneidade do corpo discente, pensar em diversidade supõe assumir que, se todos somos normais, se todos os alunos têm necessidades educativas diferentes (ainda que algumas possam ser comuns), por que dizemos então que algumas são especiais?
Este termo, como no passado, denota, unicamente, uma mudança de linguagem, mas não de atitude em relação à diferença; manifesta e legitima um facto atroz: os alunos que até então eram considerados como subnormais, imbecis, cretinos, posteriormente passaram a ser considerados como alunos com necessidades educativas especiais. Hoje em dia voltamos a mudar o cartaz, chegando inclusive a denominá-los alunos diversos ou alunos da diversidade, caindo, assim, numa nova fórmula de eufemismos terminológicos que, em definitivo, não fazem outra coisa senão mascarar a essência que na nossa perspectiva da diferença, tem uma valoração negativa (Farrell, Elliott e Ison, 2004), motivo pelo qual somos incapazes de pensar nas diferenças como algo positivo, já que isso nos impediria de continuar a perpetuar uma metodologia da escola e da sala de aula, uma mesma maneira ancestral de ensinar, de continuar a fazer o que infelizmente fazemos, na qual todos os alunos aprendem a um mesmo ritmo, os mesmos conteúdos e num mesmo espaço e tempo.
Portanto, enquanto uma situação escolar for considerada como especial, estaremos a afastar-nos do princípio ético e também legislativo que supõe essa normalização que pretendemos atingir. Isto é, se todo o aluno tem algumas necessidades, interesses, motivações e ritmos de aprendizagem diferentes relativamente aos dos seus colegas e, por outra lado, o corpo docente tem consciência dessa diversidade inerente ao género humano (personalidade, capacidades, atitudes, aptidões, horizontes), a partir de uma perspectiva que tem em vista a normalização, é de todo contraproducente isolar uma determinada característica especial do corpo discente uma vez que, ao fazê-lo, estaremos a legitimar a existência de um grupo considerado normal (do ponto de vista da escola e da cultura hegemónicas) e outro especial. Este último engloba todos os que se afastem dos padrões anteriores e para os quais seria, então, necessário adoptar certas medidas de reorientação terapêutica que conduzissem à sua aproximação relativamente a esse grupo normal. Para que o leitor possa realizar uma rápida auto-avaliação de si mesmo, bastaria responder a esta trilogia de perguntas:
- Dê um exemplo de alunos com necessidades educativas especiais.
- Explique qual é, exactamente, essa necessidade que considera que é especial?
- Por que motivo essa necessidade é especial?
Até à data, as pessoas que têm reflectido sobre estas questões não conseguiram dar-lhes uma resposta concludente ou irrefutável. Normalmente, legitimando o que diz a lei, e sem questionar a ética nela presente, costuma-se cair no erro de citar, como respostas à trilogia, exemplos como os seguintes: um aluno com síndrome de Down; um aluno cego, um aluno surdo, um aluno árabe. Ao fazê-lo, consciente ou inconscientemente, estamos a afirmar que o problema está no aluno e que o professor/a, a escola ou o método são infalíveis.
Todavia, não nos ocorre pensar o que aconteceria se os professores/as soubessem linguagem gestual, árabe ou trabalhar com a máquina Perkins. Inclusive, a partir deste discurso e considerando esses alunos como especiais, volta-se a cair num segundo erro: considerar que alguma das necessidades que salientam possa ser especial. Se, por acaso, tivéssemos um aluno que voasse, a necessidade de voar poderia ser considerada especial, já que, no mundo, não haveria outra criança que fosse capaz de voar, ao mesmo tempo que seria qualquer coisa de grandiosa, majestosa, invejável.
Neste sentido, a conotação atribuída a esta necessidade é, de todo, positiva. A palavra especial, no exemplo anterior (cego, surdo...), está carregada de desprezo, repulsa ou rejeição. No entanto, no mundo existem seis mil e quinhentos milhões de pessoas com essas discapacidades. De tal modo é assim, que existem organizações regionais, nacionais e internacionais em defesa dos interesses destes grupos que, infelizmente, não estão incluídos na sociedade desde o início da idade escolar tendo em vista a sua adequada inserção e desenvolvimento equilibrado.
Rev. Lusófona de Educação n.13 Lisboa 2009
Jesús Molina Saorin*
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